QUEM PODE VÊ, QUEM NÃO PODE CONTA HISTÓRIAS

O dia seguinte
(todas as obras publicadas são da Arthur Timótheo da Costa)

Recentemente, deparei-me com o comentário de um professor sobre a obra de Arthur Timótheo da Costa em que ele fazia questão de ressalvar que o pintor não se limitava a pintar senhoras elegantes. Fazia isso para pagar suas contas, mas quando podia não se ater aos limites do ganha-pão havia retratado pessoas negras como ele. Um comentário típico de quem olha mas não vê. E não vê porque sequer se mostra preocupado com olhar para a pintura enquanto pintura. Isto é, enquanto jogo com formas e com cores sobre uma superfície. O que me faz lembrar o que se conta sobre o fato de, quando reprovado por ter pintado uma mulher em azul, Matisse haver respondido que não havia pintado uma mulher, mas uma pintura, um quadro.

Colegas da Faculdade

Além disso, e exatamente porque não consegue ver, o comentarista parte para a invenção. Não fala da obra, mas de uma história que ele conta a respeito do pintor. Uma história moralizante na qual Timótheo da Costa surge como uma espécie de Robin Hood negro que pinta brancos para ganhar dinheiro e poder pintar gente da sua cor. O escritor inglês Julian Barnes conta que certa vez ouviu um monitor em uma exposição de Mantegna  comentar para os estudantes que o acompanhavam que o objetivo de Mantegna não era o realismo. Ao que ele comenta que “A única resposta possível seria: Tem falado com ele ultimamente, companheiro?”

O que nós temos para ver é a obra e é sobre ela que interessa falar e não sobre o que o pintor desejava ou não, gostava ou não. Com a obra, algo foi dito, algo foi criado que chama nossa atenção e desafia nossa imaginação. É com ela que temos de nos entender e não com a biografia do autor. Precisamos, entretanto, não esquecer que uma pintura não se resume às suas cores, pois ela existe em um contexto, relacionada a um momento e a uma determinada situação. Ela dialoga com o espectador, mas também dialoga com o jogo da arte de que faz parte.  Cabe então situá-la em função de outras obras e de um pensamento sobre o fazer artístico. Mas isso nada tem a ver com inventar o que o autor queria ou não queria dizer e, muito menos, com reduzir a obra ao que o comentarista quer dizer.

Retrato de menino

E o que vemos no conjunto da obra de Arthur Timótheo da Costa é a realização da pintura com uma especial atenção à forma bem construída, seja qual for o modelo ou o tema apresentado. Pintou paisagens, cenas históricas, damas da sociedade, personagens como a cigana, alegorias, o atelier do artista, pulando de um assunto para o outro com desenvoltura.

A cigana

Tal como em Pedro Weingärtner, um pintor que lança mão dos temas e modelos mais variados em busca de uma forma equilibrada. Uma preocupação que também aproxima a ambos pintores de poetas como Olavo Bilac e Alberto de Oliveira que costumam ser classificados como parnasianos. Mais do que a classificação, entretanto, importa o que temos para ver, que em Timótheo da Costa se configura como jogo de gradações que evitam a dissonância operando com tonalidades baixas e dando preferência aos tons terrosos. De tal modo que poderíamos falar em uma certa despreocupação com o tema e uma ênfase maior na construção pictórica, importando bem mais a composição da pintura do que  se a figura retratada é a de uma senhora branca ou a de um menino negro. 

Cais Pharoux


josé luiz do amaral

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