As incríveis aventuras de Kavalier e
Clay,
Michael Chabon, 2000
A história de dois meninos sonhadores que desenham histórias em quadrinhos, um morador do velho Brooklin e seu primo que conseguiu escapar da Polônia invadida pelos nazistas. Os dois acabam vencendo no universo dos “comics” e se envolvendo em periécias as mais diversas. Para dar mais condimento, o menino polonês, que é judeu, estudou com um mágico e se tornou especialista em escapismo, como Houdini que é seu ídolo e que ele aproveita para criar um personagem que faz sucesso. Mas há muito mais.
A Fortaleza da Solidão, Jonathan Lethem, 2003
Um menino branco, filho de um pintor sonhador e marginalizado, e de uma mãe hippie que se foi, criado em uma zona de negros e colocado, por insistência da mãe, em uma escola em que sofre todo o tipo de injúrias, assim como no bairro, onde é roubado e agredido quase todos os dias por ser um dos raros brancos ali. Um menino negro, filho de um cantor de rock em decadência e consumidor de drogas, que se impõe entre os demais meninos do bairro e se torna amigo do menino branco. Mas não se trata apenas de uma história de meninos e de sua formação. Entre aventuras que surpreendem, a narrativa passeia pela Nova York e pelos Estados Unidos do tempo do rock, da história em quadrinhos e também da violência e da intolerância racial, onde os dois personagens se tornam adultos entre encontros e desencontros que nos emocionam.
Capital humano, Stephen Amidon, 2004
A vida de um enriquecido investidor que cria um fundo para milionários, sua esposa e seu filho, acaba por se entrelaçar com a da família de um corretor de imóveis com dificuldades financeiras cuja filha se aproxima do menino rico. O dinheiro comanda a cena, mas até por aí. O inesperado acontece de várias maneiras, sacudindo ambas as famílias e pondo em xeque seus hábitos e projetos. A esposa rica sente que vai perdendo o pé no lago de bem estar em que vive, e a filha do corretor acaba por se envolver com um menino órfão que vive com um tio que trabalha como motorista e sonha ser dono de um bar. Um imprevisto acidente acaba por misturar os dramas de todos os personagens e trazer à tona seu sofrimento e suas esperanças de refazer a vida.
O estranho caso do cachorro morto, Mark Haddon, 2004
Haddon coloca diante do leitor um jovem personagem-narrador autista que escreve o livro para contar o que lhe aconteceu a partir do momento que encontrou o cachorro de vizinha morto com um forcado e resolveu investigar quem seria o assassino. A narrativa conta as aventuras e desventuras em que o jovem se envolve e nos revela o seu modo de ser e pensar como autista, propiciando momentos de emoção e ternura, enquanto aponta as possibilidades abertas pela determinação e pela força de vontade.
O sentido de um fim, Julien Barnes, 2011
Com a narrativa calma e reflexiva, típica de Barnes, o personagem narrador, de sessenta e poucos anos, nos apresenta uma história de amizade, desencontros e incompreensões, envolvendo um amigo do tempo de escola que roubou sua namorada e mais adiante se suicidou. Numa volta dos acontecimentos, ele recebe uma herança pequena e incompreensível que lhe deixa a mãe da antiga ex-namorada. Acaba por encontrá-la e deparar-se também com recordações e surpresas amargas que o fazem reavaliar sua antiga relação com o amigo que se suicidou e com os erros, ou enganos, que ele próprio cometeu. Apesar de um certo pessimismo e tom melancólico, uma excelente e envolvente narrativa.
Toda luz que não podemos ver, Anthony Doerr, 2014
Ainda estou lendo, mas já dá para recomendar pelo modo como a linguagem ágil, vibrante e poética nos leva a viver as cenas e conviver com os personagens, esquecendo que se trata de uma narrativa escrita. Os episódios fluem com facilidade nos apresentando personagens que, apesar da tensão do início e do desenrolar da Segunda Guerra Mundial, vivem momentos de verdadeira magia. Uma menina francesa que, apesar de cega, nos faz ver a luz multicolorida dos objetos e paisagens do mundo, e um menino que vive em um orfanato alemão cujas vida acabarão por se encontrar em circunstâncias difíceis em meio à luta pela sobrevivência.
O gigante enterrado, Kazuo Hishiguro, 2015
Sem dúvida uma das melhores senão a melhor novela de Hishiguro, nascido em Nagasaki, mas criado na Inglaterra desde os cinco anos, prêmio Nobel de 2017. Uma curiosa narrativa realista de uma história fantástica que se passa nos tempos das lutas entre saxões e bretões, dos ogros e dos dragões. Acompanhamos a improvável trajetória de um casal de velhos que percorre um cenário de aventuras em que uma estranha névoa causa o esquecimento. Surgem ainda um menino expulso de um aldeia porque teria sido mordido por um ogro, um também velho e já alquebrado cavaleiro que pertenceu à famosa Távola Redonda e um jovem cavaleiro que aparece como o vilão, mas vai revelar-se alguém que busca a verdade e quer vencer a névoa do esquecimento. Entre as mais diversas peripécias, o que marca a narrativa e nos envolve é a ternura da relação entre os dois velhos que se amparam e seguem em frente, por entre os mais estranhos acontecimentos, conflitos e encontros, até um surpreendente final que questiona a relação entre a plena rememoração e conhecimento dos fatos e o esquecimento, encaminhando-se para um terno e melancólico desfecho.
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Cabe, frisar que se trata de obras que considerei melhores, o que não é a mesma coisa que afirmar que são as melhores. São, isso sim, as que me agradaram mais, atenderam melhor à minha expectativa, mas podem ter avaliação diferente segundo a perspectiva de um outro leitor. Algumas, entretanto, das obras que li, nestes tempos, considerei ruins porque mal armadas, com uma linguagem pouco trabalhada ou excessivamente trabalhada e, por isso, artificial e descolada do enredo, e assim por diante. Dessas prefiro não falar. Mas há alguns romances que não estou listando entre os melhores, mas que me pareceram bons e dignos de serem lidos. É o caso de Garotos Incríveis (1995), de Michael Chabon; Não me abandones jamais (2005), de Kazuo Ishiguro; Olive Kitteridge (2008), de Elizabeth Strout e Liberdade (2010), de Jonathan Franzen.
Por outro lado, já que
estou apontando determinados romances como bons ou ótimos, cabe esclarecer a
partir de que critérios estabeleço esta avaliação que, embora seja uma
avaliação segundo uma perspectiva pessoal, não surge ao léu nem apenas ao sabor
do impulso do momento. Segue então uma sucinta apresentação destes critérios
que passo a enumerar a seguir.
O que espero de um bom romance
1º- Que a linguagem se mostre fluida e envolvente. Ou seja, que o texto embale o olhar, propiciando que o percorra de maneira fácil e atraente, de modo a que sintamos vontade de ir adiante e sigamos sem dificuldade, a ponto de esquecermos que estamos lendo.
2º- Para que isso aconteça, não basta, entretanto, o jogo com a língua e com a linguagem, é necessário que a história tenha uma vibração que nos atraia e nos interrogue. Foster fala que um romance deve despertar a cada passo no leitor a pergunta: e agora? e agora?
3º- Mas é preciso mais, é preciso não só que nos sintamos atraídos e com vontade de ir adiante, mas que neste ir nos envolvamos com uma densidade, um sabor que restará ainda após a leitura, fazendo com que sintamos pena de ter chegado ao fim, como quando deixamos um bom local de férias para voltar às tarefas do dia a dia.
4º- A densidade de um romance, contudo, não vem apenas de a história ser dramática, curiosa ou intrigante. É preciso que a própria linguagem, o modo como é narrada, nos transmita uma especial atenção à vida e uma emoção com o viver que desperta a solidariedade e a esperança.
5º Então, se por um lado a linguagem precisa desaparecer para dar passagem aos acontecimentos e nos levar a viver os episódios, por outro lado, ela precisa aparecer, precisa se mostrar para nós com uma boa dose de poesia, capaz de nos emocionar e dar passagem à simpatia do autor pelos personagens, sua compaixão, suas fantasias e sua esperança.
6º- Em resumo, não basta contar uma boa história, embora isto seja essencial. Mas, mais do que isso, é necessário ser um bom contador de histórias.
7º- Como se tornar um bom contador de histórias já é um outro caso. Mas basta dizer, por aqui, que a vida ensina, se soubermos dar atenção à ela, vivendo-a plenamente sem barreiras e sem tentar seguir receitas prontas. Talvez valha à pena frisar ainda que viver sem barreiras é viver aberto tanto ao inusitado, ao milagre, quanto aberto à solidariedade para com o outro e tudo o que faz a vida florescer. É claro que há também um certo dom, uma certa propensão para se tornar um bom contador de histórias. Os espanhóis falam em que hay que tener duende. Mas o duende não se revela e não acontece se não encontrar condições, se não encontrar uma especial, atenta e dedicada atenção à vida, mais do que atenção, uma intensa adesão à vida.
josé luiz do amaral - outubro, 2020
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