OS TORTUOSOS CAMINHOS DO MUNDO E DA CULTURA

     Não mudamos por revolução. A narrativa que colocou a revolução e o revolucionário como valores a serem respeitados e cultuados nos convenceu por muito tempo. Mas não se sustentou quando se evideciaram os efeitos pífios, por um lado, e desastrosos e desumanos, por outro, causados pelas chamadas revoluções. Mudamos, é claro, hoje não somos ou não pensamos como os gregos, e não olhamos o mundo e a sociedade da mesma perspectiva que eles olhavam. Mas não necessariamente evoluimos em uma linha ascendente como se acreditou um dia - uma crença que justamente embasou a ideia de revolução -, mas mudamos, sem dúvida. E, segundo a perspectiva destes tempos da contemporaneidade, o que percebemos é que, embora reviravoltas aconteçam, as transformações que se mostram consistentes e duradouras acontem por uma mistura da introdução de correções, de adaptações e também por mutações cuja assimilação pode ser bastante lenta.

O universo segundo Ptolomeu

Quando o modelo de universo com a Terra como centro, proposto por Ptolomeu e adotado pela Igreja, é implodido por Copérnico e Galileu, pode-se dizer que ocorreu uma mutação na cultura do ocidente. Mais tarde, podemos falar em uma nova mutação quando Einstein propõe suas teorias da relatividade. Entretanto, tanto Ptolomeu fizera uma adaptação no modelo de Aristóteles, quanto a correção feita por Newton no modelo coperniquiano preparou o salto dado por Einstein. Por outro lado, quase poderíamos dizer que Einstein provocou uma revolução, ao mudar a concepção milenar do tempo e do espaço. Mas a tal revolução, e mesmo a mutação só aconteceu em algumas mentes. Na maioria das pessoas, o senso comum segue apontando para como se pensava sobre o tempo e o espaço há mais de cem anos atrás. Ou seja, as coisas não costumam mudar de uma hora para outra, nem por saltos revolucionários. Esta teoria, a da mudança histórica por revolução, pode ser encarada como uma outra prova de que é aos poucos que as sociedades se rearrajam, pois segue aí em muitas cabeças mesmo que não tenha conseguido dar conta do que acontece, como já ficou para lá de evidente.

Delacroix  -  Revolução Francesa

A entronização da revolução como a forma de mudar se deu com a sacudida na Europa provocada pela Revolução Francesa. O que serviu para Marx adaptar a ideia com a teoria da evolução de Darwin e entender que a economia e a sociedade evoluem pela superação de períodos em que determinadas formas de produção prevalecem, uma mudança para a qual colaborariam, ou mesmo seriam decisivas as revoluções. Na realidade, entretanto, observando bem, veremos que a passagem para o capitalismo foi lenta e preparada por uma série de avanços nas tecnologias de produção geradas na Idade Média. Além disso, foi semeada e desenvolvida tanto ou mais na Inglaterra, em que não houve nenhuma revolta revolucionária, do que na França. E mais ainda ficou evidente o engano da idealização do processo revolucionário com o fracasso da chamada Revolução Russa, que não gerou senão regimes autocráticos e violentos, que não só não encaminharam nem um fim do capital, mas ainda impediram o avanço da democracia.

Ilya Repin  -  Revolução Russa

 O fato é que a sabedoria popular parece estar com a razão quando sugere que é preciso ir devagar com o andor, lembra que é devagar que se vai ao longe, ou comenta que nada como um dia depois do outro. Não adianta querer atropelar. Talvez, até seja possível acelerar, mas onde se apoiar para ter a certeza sobre em que direção se deve acelerar, já que o futuro não passa de uma possibilidade que o acaso torna sempre em uma incógnita. O jeito é contentar-se com trabalhar com calma em correções de rumo a serem construídas passo a passo, com cuidado, introduzindo adaptações e até mesmo criando condições para acontecerem mutações que por sua vez podem levar um longo tempo para serem assumidas. E correções que se mostram muito mais consistentes, abrangentes e duradouras se acordadas em consenso, de forma democrática, de modo a que uma grande maioria esteja convencida de sua necessidade. Não basta a ideia genial de uma mente apontada como privilegiada para construir o mundo. Ajuda, ou atrapalha, e muito. Mas o consenso, a efetiva mudança de uma cultura só se faz pouco a pouco e depende de muitas variáveis.

josé luiz do amaral

janeiro, 2021

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