DO RISO DO SIM AO RISO DO NÃO

Frans Hals

Há o riso da boa gargalhada, da risada solta de quem ri da palhaçada, dos equívocos e trapalhadas da boa comédia. Um súbito tropeção, o desencontro entre personagens, que já as comédias romanas utilizavam, a repetição da cena insólita, o quase deixar cair dos pratos pelo garçon bêbado, um riso que surge em função de uma situação que nos surpreende mas não nos assusta. Riso positivo de quem sente prazer. Um outro é o riso do bobo, que ri como um reflexo incontido que vem da sua falta de discernimento. Riso nervoso, ou então satisfeito, de quem não sabe por que ri, não chega à gargalhada nem revela uma genuína alegria, um riso que se esgota em si mesmo sem nada para revelar. Há ainda o sorriso amarelo, um riso que se esboça, mas não chega a desabrochar. Riso ambíguo de quem se depara com uma situação daquelas ante as quais , como se costuma dizer, não se sabe se é para rir ou para chorar.

Mic Matarrese como Mefisto  no Fausto de Goethe, Delaware University

 E há também o riso do cínico, que ri desde a pretensa superioridade que despreza o outro, um riso debochado, com o desrespeito de quem ri da nossa cara. Este, sem dúvida, o pior de todos, porque nefasto. O riso do não. O cínico se coloca na confortável posição de quem olha o que os outros se esforçam para construir e nega. Nega porque despreza o que não é promoção dele mesmo, o iluminado. Pior ainda quando essa gente chega ao ponto de instituir o não em afirmação, criando um movimento em cima do vazio em que se apoiam, como é o caso do negacionismo. O negacionista não precisa pensar, não precisa apresentar nada nem nada propõe, basta-lhe negar e sorrir, ou até mesmo gargalhar. Não a boa gargalhada nem o sorriso de prazer ou de aquiescência, o sorriso de quem vê o outro e para o outro amigável acena, mas o sorriso ou a gargalhada do escárnio, riso de quem se distancia dos demais tomado pela embriaguês do mal.


josé luiz do amaral

janeiro, 2020

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