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Giotto, Capela Scrovegni, Pádua, 1304 (detalhe) |
Hoje a expressão o sexo dos anjos é usada com relação a bebês com androginia, mas já se usou no sentido de que os bebês viveriam em um mundo anterior às definições, uma expressão que se tornou uma questão com as famosas discussões da escolástica medieval sobre justamente o sexo dos anjos. Nem masculino nem feminino, o que significaria com ambas ou com nenhuma das conformações, seres bissexuais ou entidades de um mundo pré-sexualizado? Mas este não poderia ser o mundo da eternidade que é, tal como a concebemos, a dimensão da completude absoluta, pois este mundo desprovido de sexo seria um mundo incompleto. O que nos leva a que os anjos, que pertencem à esfera do eterno, devem possuir uma sexualidade infinita, seres de pura sexualidade, recobertos pela sexualidade até a ponta das asas.
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Bernini, Sant Andrea della Fratte (anjo da ponte de Sto. Ângelo), Roma, 1670 |
De todo o corpo dos anjos, sua forma, sua figura, o sexo deve emanar como luz, com o infinito amor de seres que iluminam e amam a luz. Não a luz reduzida à metáfora da razão pela modernidade em sua ânsia de dividir e catalogar. Não a luz que separa a razão da ignorância, ou o bem do mal ou a racionalidade e os sentimentos, como se fosse possível isolar a luminosidade da penumbra. Muito mais do que isso, a luz em que devem pairar os anjos, só pode ser a da mais intensa vibração, como a do fogo, entendido, por isso mesmo, por Heráclito, como a substância primordial do universo.
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Peter A. Verschafelt sobre esboço de Bernini, Castelo de São Miguel, Roma, 1753 |
O fogo vibra como pulsa
a vida, movida por uma vibração que a impulsiona, fazendo-se ela própria
impulso de si mesma. Mas não virá de bem mais antes esta pulsão, não terá sido
como um primordial pulso que o universo se fez? Um fazer-se da luz como pura
vibração, em ondas se reproduzindo até gerar a vida. E seria em meio a esse
caminho que estariam os anjos, vibrando de emoção, de vida, de sexualidade,
vibração em seu grau absoluto, como uma vida absoluta e, portanto, plena de
sexualidade. Seres tão impulsionados pelo sexo quanto nós. Ou, ao contrário,
nós é que seríamos semelhantes aos anjos, tal como eles vibrando impulsionados pela
sexualidade que nos habita.
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